A fêmea e nada

Andava todos os dias o mesmo trajeto. Exatamente novecentos e vinte e cinco metros, quase vinte e seis, de casa até a faculdade. Ela arrancava certa quantidade de olhares durante o percurso – alguns de desprezo, outros desejo. Cabelos curtos, mais lisos do que ondulados, mas mesmo assim, não lisos completos. Dotados de um tom de loiro mais escuro do que trigo – nossa, muito mais – mas mesmo assim mais claro e dourado do que um castanho vulgar.

Uma franja diagonal, à esquerda, emoldurava o rosto branco. Olhos de tamanho certo, verdes. Marcados por cílios fartos e bem curvados, com um pouco de hímel. A pele branca natural, não pálida e lábios bem contornados e consideravelmente mais avermelhados que o resto de seu corpo. Cintura fina, mais do que devia. As panturrilhas curvilíneas, se observadas do ângulo certo. Coxas levemente torneadas tinindo.

Andar leve, gingado gringo. Tilintava por toda aquela reta, olhando as espatódeas – que floram no verão, mas ficam realmente alaranjadas durante o mês de março. Catava as penas e as fitas que achava durante o percurso e gostava – mas as pessoas não. Sorria quando ouvia um passarinho cantando e tentava, frustradamente, copiar a melodia; então, estalava os dedos e cantarolava alguma de suas canções folk preferidas, a primeira que vinha à cabeça.

Não via as pessoas desconhecidas e esquecia que conhecia algumas – também fingia que conhecia umas outras. Tropeçava, parava, gargalhava e assim seguia. Atrasada pra aula, ela entrava séria e logo desenhava algo na agenda; só então viria a ouvir o que dizia a professora. Desenhava na mesa, no braço, no caderno. Logo, tirava média na prova e ficava satisfeita.

Adorava a noite. Conhecia algumas estrelas mas era amiga confidente da lua. Segredos eternos que eram trocados em madrugadas, junto com lágrimas e sorrisos. Acho que é melhor parar aqui. O que foi dito lá deve ficar apenas entre elas. Ela e a lua. Afinal segredo é não é?