17.9.10

Disfarçadamente


Paciência sempre fora uma virtude minha. Não ironicamente, eu estava esperando por alguém enconstado num poste. A noite estava fria e o vento sussurrava algo que era entendido apenas pelas folhas das árvores, que respondiam-lhe com agitação. Sinceramente, eu já havia me esquecido quem eu esperava. Só conseguia prestar atenção na figura - um tanto única - que entrara no meu campo de visão. Por incrível que pareça, eu nunca havia lhe dirigido uma palavra sequer, mas sabia seu nome.
Dificilmente alguém prestaria atenção naquela menina baixinha, meio encurvada, discretamente posta num vestidinho preto fosco. Não tirei os olhos dela. Seu cabelo possuía um tom peculiar de loiro, mais claro que trigo porém não se reduzia a um simples branco. Liso, jogado para o lado direito, cortado ao meio das costas, com pontas levemente repicadas. Quase platinado, reluzia.
Cabisbaixa, não deixava que fossem vistas suas feições um tanto comuns, mas mesmo assim unicamente lindas. Sua expressão poderia ser traduzida como um grande nada. Os olhos não tranpassavam fragilidade, apesar de dotados de um tom angelical. Suas sobrancelhas finas acompanhavam o tom neutro do cabelo. Os cílios, pelo contrário, eram negros e longos, destacando seu olhar. Num todo, seu rosto parecia ser feito de porcelana - e não estou dizendo isso pela palidez extrema. Sua expressão parecia congelada assim como o foco de seus olhos. Pareciam feitos de vidro.
Eu a observava, confiante de que não era notado. Nem sequer sabia eu, então, de um terço do que essa menina era capaz. Enfim, pé ante pé, ela foi se aproximando de mim, que a olhava disfarçadamente. Ela não vinha em minha direção, seu caminho era paralelo. Seus passos silenciosos faziam-na parecer um fantasma que deslizava pela calçada. Assim que ela passou perto de mim, seus olhos perfuraram os meus, feito uma flechada. Assim, certeiro. O olhar mais forte e amedrontador que eu já vira em toda minha vida, mas ao mesmo tempo convidativo.
Seu rosto, então, descongelara. O olhar estava acompanhado de um sorriso malicioso, perigoso. Meu coração disparou, as mãos suavam frio. Não tive nenhuma reação decente. Consegui, com muito custo, gaguejar duas palavras: Kiki Strike. Ela continuou seu percurso, seu sorriso me fora um alerta. Se eu sabia seu nome, sabia que estava brincando com fogo - estava avisado. Do mesmo jeito que aparecera, ela se fora. Sem fazer ruído algum, misturada às outras pessoas, estranhamente percebida por mim, deslizando entre as sombras. Ao longe, o cabelo alvo desaparecera no escuro, mas a impressão de que ela ainda me observava não saía da minha cabeça. Ela realmente já era o que sempre quisera ser - uma menina perigosa - e tinha plena consciencia disso. Minha volta pra casa foi completamente normal e patética. Não encontrei quem esperava e nem consequi vê-la. De fato, eu não a vi novamente. Se ela me olhava - de longe, ou quem sabe bem de perto - bem, disso eu não tenho certeza.

4 comentários:

  1. Hm, também estou lendo Kiki Strike, é meio complicado porque estou lendo no computador (dá dor de cabeça depois de poucas páginas), mas enfim, o texto ficou muito sombrio (não sei se é essa a palavra), e eu adorei. (:

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  2. Kiki Strike, eu não conheço.
    Mas adorei o texto!! Independente de conhecer ou não, de ter sido inspirado ou não, achei gostoso de se ler, cheio de advérbios de modo, do jeito que aprecio!
    Fico feliz em ver você escrevendo como quem narra desenhos em nuvens Lipe.
    Beijos!

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  3. nooooooooossa, bem profundo seu texto, ali você pois tudo, até os mínimos detalhes, eu amei demais, super criativo, parabéns!
    beeijo's;*

    http://mudandopordentro.blogspot.com/

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