1.9.10

Apenas um toque


Assim, a tola água apaixonou-se pelo fogo. Simples e inexplicavelmente. Sedenta, desejava por aquele toque, aquele beijo sonhado. Aquele beijo impossível. A rebeldia, a convicção e o poder que tal elemento possuía deixavam-na deslumbrada.

Limitada à sua natureza imutável, perdia-se ao pensar como eram opostos. Sua permeabilidade, sua aceitação, sua delicadeza – nada disso via em seu objeto de desejo. Via força, via independência, atitude – e gostava. Via vermelho, via alaranjado, via amarelo, via todas as tonalidades de tais cores presas entre a ele. O fogo não era indefeso e tangível como tal, pelo contrário, feria quem ousasse tentar. Intrigada ficava, já que não sabia ser diferente. Queria ser mais forte.

Valorizava as virtudes que via nele. Invejava seu brilho, seu arder, seu calor. Ela gostaria de chamar isso de beleza, mas estava certa que não era apenas isso. Sentia algo estranho, algo não tinha motivo para existir, afinal eles sequer haviam se aproximado. Porém existia.

Atingindo, o fogo também sofria, mas não transpassava dor alguma. Sofria amedrontado quanto a sentimentos e por isso não deixava que se aproximassem. Sofria consciente de sua capacidade destrutiva. Temia seu próprio poder de morte. Sonhava em tocar sem machucar, mas sabia que não estava preparado para tal.

Rancoroso de sua insensibilidade, encantou-se ao ver o que lhe faltava na água. Sua beleza, sua vitalidade, sua receptividade, seus sons. Confortava-se ao ouvir, longe, seu suave canto em alguma queda d’água. Boquiaberto tal gruta ficava quando, raramente, fixava seu olhar em como ela refletia tudo que estava à sua volta e às cores que criava em seu interior. Todos os matizes compreendidos entre o verde e o azul-anil que ela manipulava com destreza.

O desejo era mútuo, assim com a incerteza e o medo. Tão intenso quanto o que sentiam era a idéia de impossibilidade que os encurralava. Ela queria arder em seu calor, ele mergulhar em seu profundo, queria sentir. Ansiavam juntos. Frescor e ardor. Mutuamente. Talvez seja a única coisa que existe em comum entre estes. Queriam estar onde há cor. Onde há dor. Onde há amor.

Imagem: Fire and Water ~idarjorsingDeviantArt.com


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